Segunda parte-Capítulo 1

O sol resplandecia com toda intensidade aquela manhã quente de verão.A rua já apresentava considerável movimento e alguns poucos comércios já encontravam-se disponíveis à circulação da clientela.Eram 7 horas da manhã.

Aline atravessou rapidamente o portão da grande casa e pôs-se a caminhar em direção à instituição de ensino ao lado.Os passos apressados que dava faziam-lhe recordar os anos anteriores em que quase todos os dias acordava atrasada e deslocava-se desesperadamente ao colégio.Esse ano só o que mudara fora o fato de que se deslocaria para a faculdade,não mais ao colégio,e que seria acordava não mais por Karina,e sim pelos gritos e chacoalhões exagerados de Vivian.Aquela manhã,exatamente às 6:50,Aline quase despencou da cama,quando sua amiga,ao lembrar-se que deveria acordá-la despertou-a com vários sacolejos.

-Ai,que isso!-reclamou Aline,abrindo os olhos e avistando a figura desesperada da amiga ao lado de sua cama-O que foi que aconteceu?-perguntou sentando-se na cama.

-Esqueceu que hoje é o primeiro dia de aula?

Aline assumiu uma expressão confusa.Mas logo lembrou-se de que já estava alojada na República desde o dia anterior e que no dia presente deveria comparecer ao primeiro dia de aula na faculdade.

-Ah,é isso?-perguntou calmamente,levantando-se.

-Não é só isso.O fato principal é que você tem exatamente...-disse Vivian,olhando para o relógio-10 minutos pra se arrumar.

-Quê?-Aline perguntou arregalando os olhos. Correu ao banheiro,passando como um foguete por Marise,uma garota ruivinha estudante do curso de Direito,com quem ela e Vivian dividiriam o quarto.Já dentro do banheiro,ouviu Marize indagando:

-O que deu nela?

-O de sempre.Acordou atrasada de novo-Vivian respondeu.Após uma pausa,Vivian acrescentou:

-Isso sempre acontece com ela.

Exatamente às 7:01 Aline adentrava à instituição de ensino,observando que muitos dos alunos permaneciam do lado de fora, batendo papo uns com os outros despreocupadamente. “Acho que não me atrasei tanto assim.”

A garota conduziu-se ao elevador junto com outros estudantes que se elevariam aos outros andares. Subiria ao segundo andar,onde situava-se a classe da turma de Letras.Dentro de poucos segundos,quando a máquina alcançou seu destino,percebeu-se que do lado de fora havia um grande rumor,envolvendo gritos,risadas e assobios.Aline assustou-se.

-Deve ser trote!-comentou com uma garota um rapaz meio ruivo atrás de Aline.

-Ufa,ainda bem que já passei por essa fase!-a garota respondeu.

-Os veteranos devem estar detonando os calouros!-disse um outro rapaz,sorrindo animado.

Trote?Veteranos?Calouros?Do que estavam falando?

Tão logo a porta do elevador se abriu,os jovens saíram em disparada para assistirem ao “show” que acontecia nos arredores da grande instituição.Aline saiu cautelosamente,observando o tumulto que havia se formado no comprido corredor do prédio.Foi caminhando lentamente.

No meio do tumulto havia um rapaz todo pintado de tinta laranja,com uns pinguinhos de tinta preta espalhadas pelo corpo.Provavelmente era a aparência de uma onça que tencionaram lhe criar.Ao redor do rapaz, os estudantes apontavam-no e gargalhavam,num ato de zombaria.Aline continuou caminhando assustada.Um rapaz que participava da brincadeira a observou por instantes,e em seguida gritou:

-Mais uma caloura!

Aline parou.Os estudantes puseram-se a correr em direção à garota,que amedrontada,saiu em disparada pelos corredores da instituição.A garota percorria o caminho desesperada,olhando diversas vezes para trás,a fim de fugir do alcance de seus “algozes”,pois previa que seria a próxima vítima.Dobrou à esquerda,a fim de despistá-los.Dobrou à direita,e de repente esbarrou em um rapaz de boné,que jazia parado no meio do caminho.Parecia que esperava alguém.Aline tentou mudar de direção,mas o garoto a segurou e a puxou com força,empurrando-a para dentro de uma sala que havia a poucos metros dali.

-Ai me solta!Me solta!-a garota gritava desesperada.

Já dentro da sala,o desconhecido encostou a porta e ficou vigiando o corredor sutilmente.Aline continuou gritando.

-Psit!-o rapaz pediu silêncio.

Aline parou de gritar.Levou a mão ao coração,que batia desordenadamente.Sua respiração estava ofegante e seu corpo tremia.O rapaz fechou a porta e olhou para a garota.

-Eles já se foram.Você está segura agora.

-Poxa,obrigada por me ajudar-agradeceu a garota,estranhando a bondade do rapaz-Mas...quem é você?

-Sou Leonardo.Mas pode me chamar de Léo.Sou estudante do 2º ano de Farmácia.

-Prazer em conhecê-lo,meu nome é...

-Aline!-o garoto interrompeu.

-Como você sabe que meu nome é Aline?

-Já te vi aqui antes.

-Mesmo?-indagou a garota com expressão embaraçada.Olhou firmemente para o rapaz,analisando suas feições.

-Peraí...-disse a menina,como que lembrando de algo-Você é o...

-Guia que conduziu você e seus amigos naquele passeio à faculdade-completou o rapaz.

Aline ficou boquiaberta.No ano anterior,ela,Vivian e Richard haviam sido escolhidos pela direção do colégio para realizarem um passeio à faculdade,e durante tal acontecimento,3 estudantes os guiaram pelas dependências do prédio,entre eles,Leonardo.

-Poxa-disse Aline sorrindo-Que legal.

-É.Legal-disse o rapaz balançando a cabeça afirmativamente.

-Não sei o que teria sido de mim sem você...

-Não foi nada...-disse o rapaz com um meio sorriso.Aline observou bem o rosto do rapaz.Era moreno claro,de altura mediana,e dono de belos olhos cor-de-mel.

A garota olhou em volta da sala.Durante o momento atormentador em que fugira da perseguição dos veteranos,sequer observara o ambiente em que entrara.Era uma biblioteca.A garota olhou para o relógio de parede no canto da sala.

-Poxa!Quase 7:30.Preciso ir pra minha classe.

-Não!-disparou Léo.

-Por que não?

-Você não pode ir pra sala.Se os veteranos te virem novamente por aí,tentarão te pegar.Tem que ir embora.

-Mas e a aula?

-Infelizmente vai ter que perdê-la.Isto é... se quiser sair a salvo,pelo menos por hoje.

-Como assim pelo menos por hoje?

Leonardo lançou um olhar significativo para Aline.

-É que aqui os trotes duram toda a semana.

-O quê?-a garota perguntou assustada.

-Os calouros que se livram do trote no primeiro dia são perseguidos a semana inteira,até serem apanhados.Aqui nenhum calouro se livra-lançando outro olhar significativo para Aline.

-Ai meu Deus...Vou ter que perder aula a semana inteira-reclamou Aline,com as mãos na cabeça.

-Só se quiser sair ilesa.

Aline ficou decepcionada.Nunca imaginara que o primeiro dia de aula na faculdade seria assim,tão “perigoso”.

-Poxa, não pensei que entrar na faculdade desse tanto prejuízo.

Leonardo sorriu.

-Pois é...Vida de calouro não é moleza não.

-Percebi...-Aline murmurou pensativa-E como é que eu vou sair daqui?

-Eu te ajudo-disse o rapaz,dirigindo-se à porta-Vou dar uma olhada nos corredores e volto pra avisar se já pode ir.

-Tudo bem...

Leonardo saiu,fechando a porta.Aline sentou-se numa cadeira e correu os olhos pela biblioteca vazia.Aquele ambiente lhe lembrava seu antigo emprego,na livraria de Luís,que deixara fazia quase um mês.Lembrava-lhe também Henrique,que fora seu colega de trabalho na livraria.Será que estavam bem?

Em janeiro,o grupo de jovens realizara um grande evento evangelístico,liderado por Richard,e granjearam muitas almas para Cristo,entre eles,as de Henrique e de Fábio,namorado de Vivian.A experiência fora um sucesso no bairro,não só entre os jovens,mas também entre os mais velhos que acompanharam o trabalho.

A porta se abriu de repente e Leonardo apareceu.

-A barra tá limpa!

-Ótimo!-disse Aline,levantando-se.

A garota seguiu o rapaz,que ia caminhando cautelosamente,olhando para os lados.Desceram ao andar térreo e Aline conduziu-se ao portão,seguida por Leonardo.

-Muito obrigada por tudo Léo-agradeceu a garota,parando em frente ao portão.

-Não foi nada...Mas se cuida hein!-advertiu o rapaz-Não será sempre que seu anjo protetor estará por perto pra te ajudar.

Aline sorriu.Saiu portão a fora,aliviada.Desta vez livrara-se,porém,assim como o próprio Leonardo dissera,não seria sempre que ele estaria por perto para ajudá-la.Teria cautela,mas não sabia se conseguiria fugir dos olhos perspicazes dos veteranos por muito tempo.

A garota conduziu-se à República, que ficava logo ao lado da instituição de ensino. Achegou-se ao portão da grande casa e o abriu.Caminhou despreocupadamente até a porta,que se encontrava encostada e a abriu,quando de repente,do outro lado,avistou uma figura bizarra à sua frente.

-Que isso?-a garota exclamou abismada.